Metade dos brasileiros já sofreu assédio no
trabalho, aponta pesquisa
Pesquisa indica que
assédio é comum em empresas, mas apenas uma minoria o denuncia
Rafael Barifouse, da BBC Brasil em São Paulo
O assédio moral foi
identificado como o tipo de abuso mais comumReprodução/BBC
Mariana teve um fax
esfregado em seu rosto pela chefe. Adriana foi chamada várias vezes à sala do
gerente para que ele falasse de "seus sentimentos" para ela. Luiza
resistiu às investidas do supervisor e ouviu que ele "poderia acabar com
sua carreira". Marcela foi apalpada pelo dono do bar onde trabalhava.
Gustavo recorreu ao psiquiatra por causa da pressão excessiva de seu gerente.
Ao buscar relatos de
profissionais que tenham sofrido assédio no trabalho, a reportagem ouviu uma
dezena de pessoas sempre sob a condição de que seu nome e da empresa não fossem
revelados. A quantidade e velocidade com que os depoimentos surgiram indicam
que esse é um problema comum no mercado brasileiro, como aponta uma pesquisa
feita pelo site Vagas.com e publicada com exclusividade pela BBC Brasil.
Dos 4.975
profissionais de todas as regiões do País ouvidos no fim de maio, 52% disseram
ter sido vítimas de assédio sexual ou moral. E, entre quem não passou por essa
situação, 34% já presenciaram algum episódio de abuso.
"Sofri assédio
em diversas empresas", diz Mariana, de 30 anos. A primeira foi quando era
estagiária. Até hoje, Mariana se lembra de como a chefe ficou furiosa quando
ela não encontrou o fax que estava caído atrás de uma mesa. Mariana diz que
esse episódio foi apenas um de uma série. "Ela me tratava muito mal
durante toda a semana e, na sexta-feira, me dava um presente para
compensar."
Em outro emprego, ela
e os colegas tinham de lidar com os frequentes gritos do acionista da empresa:
"Viu quanta formiga tem no chão? É de tanto doce que você está
fazendo!". Também era comum ouvir pelo telefone que ela tinha 30 segundos
para descobrir o que estava ruim em seus relatórios, seguido por uma contagem
regressiva: "30, 29, 28...".
No caso mais recente,
Mariana trabalhava em uma grande empresa farmacêutica, sob um executivo
conhecido por pressionar sua equipe e, assim, conseguir bons resultados.
"Ouvi de um colega: 'Não posso mais te elogiar. Seu chefe não gosta. Diz
que você vai virar estrela'." Ela conta que saía de reuniões chorando
"ao menos uma vez por semana". Tinha sua performance elogiada na
avaliação anual, mas recebia do chefe um péssimo retorno em particular.
"Ele era inteligente. Não fazia nada em público. Preferia me minar e me
diminuir psicologicamente."
Após quatro anos e
fazendo terapia por causa do trabalho, Mariana decidiu mudar de emprego.
"Quando ia trabalhar, tinha dor de estômago e ânsia de vômito. Pensei em
virar dona de casa para não passar mais por isso. Tenho medo dele até hoje. No
tempo que trabalhei para ele, a equipe toda mudou. Só ele ficou — e acabou
promovido."
'Você precisa saber de meus sentimentos'
O Vagas.com enviou o
questionário para 70 mil profissionais de sua base de dados, escolhidos entre
os que tinham atualizado seu currículo nos seis meses anteriores e tinham ao
menos um emprego em seu histórico.
O assédio moral foi
definido como "ser motivo de piadas e chacotas, ofensas, agressões verbais
ou gritos constantes, gerando humilhação ou constrangimento individual ou
coletivo", enquanto o assédio sexual trazia como definição "receber
investidas com tom sexual — cantadas, olhares abusivos, propostas
indecorosas".
Nos resultados, o assédio
moral foi identificado como o tipo de abuso mais comum, apontado por 47,3% dos
profissionais que responderam à pesquisa, enquanto 9,7% disseram ter sofrido
assédio sexual. Entre os entrevistados, 48% disseram não ter sofrido assédio.
Alguns entrevistados declararam ter sofrido os dois tipos de assédio.
Mas os resultados
mostram que, enquanto o assédio moral foi relatado em proporções semelhantes
por homens (48%) e mulheres (52%), o sexual é quatro vezes mais comum entre
elas: 80% das pessoas que disseram ter sido vítimas de abuso são do sexo
feminino.
Adriana, de 32 anos,
foi pega de surpresa pelo assédio sexual, após trabalhar por dez anos para o
mesmo chefe, a quem considerava um mentor, na área de tecnologia de uma grande
empresa do setor de petróleo e combustível. "Preciso falar dos meus
sentimentos por você", disse ele ao chamá-la em sua sala. Segundo Adriana,
foi apenas a primeira vez.
"Ele continuou
mesmo eu deixando claro que não tinha interesse. Ele me chamava, e eu não tinha
como negar, porque poderia ser sobre trabalho. Mas, quando eu chegava, ele
fechava a porta e falava que queria me comprar uma joia, me levar para
almoçar", diz Adriana, que diz ter suportado a situação por dois anos.
"Chorava muito de raiva. Fui para a terapia, fazia massagem, tomava
floral, tudo para me acalmar. Chegou a um ponto em que me via fugindo dele. Só
acabou quando ele se aposentou."
No entanto, assim
como 87,5% das vítimas ouvidas pela pesquisa, Adriana não denunciou seu
assediador. "Tinha medo. Não possuía provas, e ele era responsável por me
promover ou me mandar embora. Também não confiava no RH. Havia muitos casos de
assédio na empresa. E, quando foram denunciados, o RH disse que não podia fazer
nada. E a vida da pessoa virou um inferno."
Adriana ainda ficou mais
dois anos na empresa após a aposentadoria do chefe. Acabou se desligando e
mudando de profissão. Hoje, é terapeuta corporal. "Não queria mais ter
chefe."
Entre os receios mais
comuns entre as vítimas de assédio que não o denunciaram, estão perder o emprego
(39%) e sofrer represália (31,6%). Não se trata de um medo infundado, pois,
entre os que denunciaram, 20,1% afirmaram ter sido demitidos e 17,6% disseram
ter sofrido algum tipo de perseguição.
Exceção
Nesse contexto,
Gustavo foi exceção. Ele diz que, após quase um ano sendo
"perseguido" por seu supervisor, decidiu abrir um processo contra a
multinacional do setor aéreo para a qual trabalhou por quatro anos.
Gustavo conta que o
comportamento de seu gerente mudou depois de ele levar ao setor de RH da sede
da companhia, nos Estados Unidos, sua insatisfação com o plano de carreira da
subsidiária brasileira. "Quando ele descobriu, passou a querer minha
cabeça", diz Gustavo.
"Começou a me
chamar com frequência na sua sala para explicar pequenos atrasos e horas
extras, algo que nunca tinha feito. Como todos os funcionários trabalhavam numa
mesma sala, as pessoas começaram me perguntar o que estava acontecendo. Algumas
até se afastaram de mim para não virarem um alvo também."
Gustavo diz que seu
chefe também passou a sobrecarregá-lo de trabalho ou encarregá-lo de tarefas
que ele não sentia ser capaz de cumprir com a qualidade esperada, como abrir
uma nova área da empresa. "Quando o questionei sobre isso, ele me disse
ironicamente: 'Mas você não queria crescer profissionalmente?'", diz
Gustavo. "Passei a ter problemas de saúde e a beber bastante. Fui medicado
por um psiquiatra, porque não conseguia mais dormir direito."
Em agosto do ano
passado, Gustavo decidiu deixar a companhia e abrir um processo contra ela. A
primeira audiência será em novembro. "Soube que meu ex-chefe foi afastado
por um mês e depois voltou completamente mudado."
É um desfecho
bastante comum nos casos de assédio que são denunciados, segundo o estudo da
Vagas.com: 74,6% dos profissionais que denunciaram o abuso disseram que o
assediador permaneceu na empresa.
Problema comum
Para os organizadores
do estudo, o alto índice de respostas mostra que esse é um assunto urgente no
mercado profissional brasileiro. Dos 70 mil questionários enviados para os
cadastros no site, 7% participaram, bem acima da média de 0,5% registrada em
outras pesquisas. Desses, 98% responderam a todas as perguntas.
"Isso mostra que
muitas pessoas são impactadas pelo assédio no trabalho ou têm algo para
contar", diz Sylvia Fernandez, que coordenou a realização da pesquisa.
"Infelizmente, é um problema bastante comum. Os profissionais querem que
isso seja debatido e que haja consequências, mas ainda predomina a sensação de
impunidade."
José Carlos Wahle,
sócio da área trabalhista do Veirano Advogados, enxerga uma melhora nessa
questão no mercado brasileiro nos últimos anos, devido à maior presença de
multinacionais no País e à internacionalização de companhias brasileiras.
"Esta maior
presença de grandes empresas, que têm ações em Bolsa e prezam por sua imagem,
levou a uma maior adoção de bons valores corporativos e um aumento do número de
companhias que determinam padrões de conduta e orientam seus funcionários
quanto a este tipo de comportamento", afirma Wahle.
"Também há uma
maior percepção por parte dos funcionários em relação a seus direitos. Antes,
havia problemas mais urgentes, como o trabalho escravo. Hoje, nosso mercado
está mais maduro, o que nos permite discutir o assédio. Isso não quer dizer que
é algo raro nem que está perto de acabar. Vem melhorando, mas ainda há um
abismo entre a realidade e como deveria ser."
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